Um pouco da psicanálise e os desejos...
- Marcela Rolim
- 27 de mai. de 2020
- 3 min de leitura
Nunca foi fácil falar de desejo. Já se percebe nos poucos artigos que li voltados para o tema, sob a ótica da psicanálise. Por mais que ele seja uma potência não é óbvio a ser decifrado.

Para Lacan, somos responsáveis pelos nossos desejos, mesmo aqueles que inconscientes e que reprimimos, os quais nós tentamos desviar e ignorar. Por mais que utilizemos diversas estratégias de racionalização, desculpas, recalques, autossabotagem para lutar contra, ele está sempre ali, latente e pulsante. Por mais que tentemos guardá-lo no lugar mais obscuro do nosso ser, sem admitir que ele faz, também, parte de nós, ele continua se fazendo presente.
Desde a invenção da psicanálise, Freud nos colocou diante da chamada metáfora do “iceberg”, sendo a ponta da pedra de gelo o nosso consciente e toda a parte submersa o nosso inconsciente. Não é possível separar o inconsciente de nós, talvez ele seja mesmo a nossa própria essência. E dito isso, Freud considera que qualquer ética que não inclua a dimensão do desejo que habita no inconsciente é, no mínimo, extrínseca. O desejo, mesmo que inconsciente, faz parte de nós e somos responsáveis por ele.
O desejo não é egoico, uma parte dele é escondida, ele se apresenta como enigmático. E é por isso que, a partir do pensamento de Freud, devemos decifrar essa parte que não nos apresenta com clareza. Devemos, ao menos, nos interrogar sobre o nosso desejo e responder-nos a pergunta “Agimos conforme o desejo que nos habita?”. A clínica vem justamente para ajudar a decifrar a parte desse desejo que está oculta e, mais do que isso, a análise vem para contribuir com que o sujeito tenha a coragem de se deparar com o seu próprio desejo, de sustentá-lo e, até, de mudá-lo.
Já parou pra pensar o quanto gastamos de energia, tempo e muita libido para obedecer a um jogo do mundo que nos impõe que tenhamos desejos dos quais não necessariamente são os nossos? Para Erich Fromm, psicanalista, filósofo e sociólogo alemão, “a ideologia social vai se tornando cristalizada e naturalizada, se tornando uma espécie de sistema de gratificações, onde os membros não se dispõem a questionar os comportamentos impostos, pois supõem que estão seguindo seus próprios prazeres, em última estância, agindo livremente”. Explico. Vivemos num mundo rodeado de publicidade sobre um ideal de vida feliz e plena voltado, sobretudo, para o consumo de mercadorias e/ou status social. O sentido vendido está muito mais no “ter”, do que no “ser”. Para a psicanálise freudiana, mais que uma necessidade de se ter algo, o sujeito vê o objeto enquanto um meio para a satisfação dos seus desejos de atração, de identidade, de sensualidade, de ascensão social, etc.
Já parou pra pensar o quanto nos tonamos alienados aos nossos próprios desejos que jogamos pra debaixo do tapete sem querer questioná-los de onde vem e por quê? E, já parou pra pensar, o quanto deixamos de viver e de agir conforme o desejo que pulsa em nós? Freud relacionou o funcionamento do corpo ao mecanicismo do prazer. Desejar é se encontrar como ser humano. E, portanto, o homem vive em busca do prazer, consciente ou inconsciente.
É claro que temos aquele desejo que acaba nos levando a lugares de dor, mas também de gozo. Isso é o apego, a chave da psicanálise! O inconsciente estrutura armadilhas em que a gente acaba caindo e erotizando o sofrimento. E aí que mora o perigo! É por isso que a psicanálise nos traz a possibilidade de questionar esses desejos que nos levam a padrões adoecidos para que possamos ressignificar e provocar mudanças. É o sofrimento e as incertezas que conduzem um sujeito à análise.
Temos também aqueles desejos que achamos que tentamos controlar, principalmente quando nos relacionamos. Desejo para a psicanálise é uma palavra que nos remete ao sentido sexual. E, por renegar a exposição do que sentimos ao outro, lutamos contra nós mesmos em mecanismos de “jogos”. “Ah, não posso fazer isso ou aquilo, senão o outro saberá do meu interesse”. Típico de quem não se permite à entrega do seu desejo pelo outro, pelo desejo de amar.
A psicanálise traz uma melhor compreensão sobre nós mesmos e permite uma visão ampliada sobre tudo que nos passa internamente e, também, do lado de fora. Ela permite uma maturidade, uma quebra de padrões, por vezes infantil, e uma grande possibilidade de pontuar o que sentimos e o que pensamos. Ela se torna uma ponte para a libertação desses “jogos” que só nos trazem atrasos e perda de experiências que poderiam ser incríveis!
Reflexão: O que você tem feito com o pouco tempo que você tem? Com o pouco tempo que lhe é dado como humano?
Comments